As nuances da violência de gênero no ambiente universitário e a atuação de entidades estudantis em seu combate
Ana Clara Thommen Maia, Victória Oliveira Monteiro e Suianne Gonçalves de Souza
Foto de acervo pessoal - Manifestação contra os cortes universitários em 22/12/2022
A violência contra a mulher no Brasil e mundo
No Brasil e no mundo, a violência contra a mulher é um assunto de preocupação pública, assustadoramente, apesar de medidas protetoras e leis serem criadas, como por exemplo a lei brasileira Maria da Penha, desenvolvida em 2006 para defender as mulheres de qualquer violência doméstica, os números de vítimas são constantes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que aproximadamente uma em cada três mulheres são vítimas de violência nas Américas, demonstrando a necessidade de discutir e agir perante o problema.
Mundialmente, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a violência contra mulheres é desproporcionalmente maior em países mais pobres, aproximadamente cerca de 37% das mulheres já sofreram algum tipo de violência física ou sexual, sendo isso uma em cada duas mulheres vítimas de algum tipo de situação de assédio ou agressão.
Ainda na pesquisa da OPAS, os continentes com maior porcentagem de violência são Oceania, Sul da Ásia e África, estando entre 33% a 51%. Já as taxas mais baixas estão na Europa (16–23%), Ásia Central (18%), Leste Asiático (20%) e Sudeste Asiático (21%), mostrando que, apesar de ser um fator global, características como a desigualdade social impactam a porcentagem de mulheres violentadas.
Além disso, em 2021, o Brasil era o quinto país do mundo com maior número de mulheres vítimas de violência, atrás somente de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia, de acordo com dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).
De acordo com o site do governo, até julho de 2022 mais de 31 mil denúncias foram contabilizadas, sendo essas relacionadas a casos de violências físicas, psicológicas, sexuais, morais e patrimoniais. De acordo com a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Cristiane Britto, cerca de 70% das mulheres vítimas de feminicídio nunca estiveram presentes na rede de proteção brasileira, e por isso, ela acredita que a divulgação dos canais de denúncia deve ser ampliada para que mais mulheres tenham acesso e oportunidade de serem ajudadas antes que a situação se torne drástica.
(Infográfico produzido com base em dados do Ministério da Mulher, acerca da violência contra a mulher no Brasil)
Além disso, a falta de procura por ajuda acontece, principalmente, uma vez que é difícil para a mulher quebrar um ciclo de violência, já que ela acaba colocando as necessidades da família acima das suas. Seja por medo de prejudicar seus filhos, causar algum dano às pessoas mais próximas ou até mesmo sentir que sua imagem pessoal será “manchada”.
Ainda há o fato que muitas mulheres vítimas de violência se afastam de seu círculo mais próximo, como amigos e família, perdendo então sua rede de apoio que é essencial na hora de quebrar o ciclo de violência e denunciar seu parceiro.
Fonte: Site do Governo de Santa Catarina
A violência contra a mulher na universidade
Trazendo o assunto para as universidades brasileiras, os casos de violência contra a mulher acabam sendo ocultos, uma vez que muitas vezes não são registrados e faltam dados para monitoramento. Como afirma o artigo da presidente Virgínia Barros da UNE, os casos de violência estão ligados diretamente a um machismo estrutural na sociedade que se repete nos espaços de educação superior.
Relatos como: “Eu estava usando uma saia um pouco acima do joelho e fui altamente assediada”; “Eu estava passando pelo corredor e o professor achou que eu fosse assaltante”; “Sofri agressão por ser chefe mulher e o servidor não aceitar”; “Mulher bonita não tem competência, é promovida por causa da sua beleza”; “Por ser indígena tive minha identidade questionada e minha inteligência também”; “Busquei a coordenação do curso, disseram que o profissional tinha esse histórico [de assédio], porém era um grande profissional”; “A Universidade não fez nada a respeito”; foram registrados pela Universidade Federal do Amazonas, mas são parte da realidade de diversas outras universidades assim como a própria Universidade Federal de Uberlândia que é o objeto de estudo principal desta reportagem.
(Infográfico produzido com base em dados do Data Popular e Instituto Avon acerca da violência de gênero no ambiente universitário)
Casos como esses acabam sendo repetidamente vistos pelas estudantes, situações que acontecem desde em festas universitárias até mesmo em salas de aula. Entretanto, muitas vezes por vergonha ou medo, as mulheres vítimas de situações de violência não denunciam, e quando o fazem, muitas vezes acabam sendo culpadas pelo fato.
O movimento feminista e o combate a violência contra a mulher
Historicamente, o movimento feminista surgiu como luta contra o patriarcado no qual a mulher se encontra, por tempos, a violência contra a mulher era algo natural e considerado necessário quando a mulher apresentava qualquer tipo de comportamento de “desobediência”. Essas falsas crenças foram desencadeadoras do movimento feminista que veio para garantir a mulher direitos básicos de sobrevivência.
Ao contrário do que já se acreditou, o feminismo não vem como um movimento oposto ao machismo, uma vez que esse faz menção a população masculina ser superior, já o feminismo busca a igualdade de gênero por meio do movimento de luta pelos direitos das mulheres que foram historicamente ignorados.
A ideologia patriarcal construiu um caso não isolado no qual a mulher deveria ser submissa, colocando as suas vontades e necessidades abaixo da família, causando então um ciclo infinito de dificuldade na hora de sair de uma relação agressiva. De acordo com o blog Universa do UOL: “Na Idade Média, o marido tinha o direito e o dever de punir a esposa e de espancá-la para impedir "mau comportamento" ou para mostrar-lhe que era superior a ela. Até o tamanho do bastão usado para surrá-la tinha uma medida estabelecida. Se não fossem quebrados os ossos ou a fisionomia da esposa não ficasse seriamente prejudicada, estava tudo certo. O espancamento legal das esposas não desapareceu com a Idade Média. Foi praticado em muitos lugares no século 19 e, mesmo depois, quando passou a ser proibido por lei, continuou a existir entre todas as classes sociais”.
Mostrando que, com o passar dos anos, a história da mulher se resumiu em opressões e invisibilidades que impactam até os dias atuais como as mesmas são vistas pela sociedade. A partir do século 20, a participação feminina como cidadã passa a existir, e símbolos como o livro “O Segundo Sexo” publicado por Simone de Beauvoir marcam o ínicio de uma luta feminista.
Ainda hoje, o movimento se reverbera na sociedade, pois apesar das mulheres começarem a conquistar direitos como o de votar e de poderem conduzir suas próprias vidas sem serem submetidas a posição de propriedade do marido, as leis e medidas de proteção ainda não são eficientes o bastante para acabarem com a violência contra a mulher.
Coletivos feministas nas universidades
Assim como as leis e discussões públicas tem o intuito de melhorar a segurança da mulher, dentro das universidades, os coletivos são responsáveis por estarem nesse lugar de luta e visibilidade dos casos de agressões e assédios.
Com a repetição desses acontecimentos e a falta de segurança nos campos, entram os movimentos estudantis. Coletivos que agem em casos de violência contra a mulher, a partir de manifestos, busca por segurança pública e incentivo à educação sexual nas escolas e universidades. Esses grupos são essenciais para combater qualquer situação de violência e buscar uma melhor experiência para a mulher, oferecendo apoio, um local seguro e livre de julgamento na hora de compartilhar casos de violência e auxílio médico.
Em um contexto geral, o incentivo às denúncias e grupos como os coletivos da universidade tem ajudado na divulgação e repercussão de casos que antes eram ocultos, trazendo à tona uma realidade perturbadora.
De acordo com o Jornal da USP, a pesquisadora Ana Flávia destaca que “O que mais me incomoda é esse jogo entre a visibilidade excessiva na mídia em casos espetaculares e sensacionais e a invisibilidade da violência cotidiana vivida pelas mulheres”, analisa a professora. “A mulher tem dificuldade de se ver como vítima, de culpabilizar o relacionamento abusivo e violento dentro de casa. Ela teme ser incompreendida na justiça, na família. Tem medo e vergonha de expor sua privacidade publicamente e ser desacreditada”.
Por isso, os coletivos dentro das universidades têm o papel essencial de trazer discussões sobre o tema e politizar os estudantes por meios de movimentos, além de ajudarem na hora da proteção de mulheres vitimizadas. A sociedade infelizmente ainda prefere fechar os olhos quando se trata da segurança da mulher e seus direitos como cidadã, protegendo muitas vezes os agressores que estão cercados de uma autoridade dentro dos espaços de estudo e trabalho e levam fama de bons moços dando continuidade ao ciclo de agressão.
Segundo o Jornal da UFRGS, os coletivos e movimentos universitários têm o papel de trazer "iniciativas eficientes de proteção e prevenção são vitais para o enfrentamento à violência de gênero – dentre elas, a conscientização, o suporte, o acolhimento, a orientação e o acesso à justiça. E a Universidade, como espaço de pesquisas, reflexões e discussões, é também um alicerce de iniciativas que abordam esse tema tão complexo e possibilitam que mulheres nessa situação consigam acessar seus direitos e romper o ciclo de violência”.
Na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) os coletivos se organizam para proteger os assuntos estudantis e de interesse dos discentes, se reunindo para lutar pelos direitos universitários. Como é o caso de quando uma estudante de Direito sofreu uma tentativa de estupro em 2015 no próprio bloco em que estudava. Na época, um funcionário da faculdade encontrou a vítima e a amparou, impedindo que o ato acontecesse. Entretanto, essa não é a realidade de diversas outras vítimas que não tiveram esse apoio.
Assistência jurídica e psicológica: a atuação do Acolhidas na universidade As estudantes do curso de Direito em conjunto com a professora Neiva Flávia se solidarizaram com a história da estudante e se uniram para lutar contra a violência feminina no ambiente universitário e terem suas vozes ouvidas, apoiando com assistência jurídica e psicológica mulheres vítimas de violência por meio do coletivo Acolhidas. O Acolhidas reúne estudantes de diferentes cursos em prol da luta contra a violência, trabalhando para conscientizar por meio de eventos, palestras e pelas redes sociais; acolher por meio da assistência jurídica e psicológica, feita pela equipe de profissionais voluntárias e pelas alunas, com assistência da docente organizadora do coletivo, para apoiar todas em um ambiente estruturalmente machista que na maioria dos casos, nos impede de tratar a violência de gênero como um problema público e que deve ser considerado quando fala-se de políticas públicas.
“Além de receber casos de mulheres que sofrem violência de gênero, também queremos alcançar mulheres no sentido de levar informações até elas para que caso elas sofram algum tipo de violência, elas saibam identificar. Porque muitas vezes as mulheres estão sofrendo uma violência, mas elas não sabem que é uma violência, o que só piora a situação. Além de querer levar o Acolhidas para as escolas também, queremos fazer um grupo de estudos sobre questões da violência de gênero.” - comenta Camila de Castro, estudante de Direito e coordenadora do Coletivo Acolhidas.
O trabalho de coletivos como o Acolhidas é essencial para assegurar que mulheres que sofrem violência dentro do ambiente universitário tenham apoio para lidar com esse momento que ao mesmo tempo é delicado e bruto, após tal violação. Entretanto, por ser uma organização estudantil, o Coletivo conta com alguns desafios, como apontados pelas coordenadoras. “O coletivo surge muito como um desejo das estudantes, isso é o que nos dá força. Por um lado seria bom ter mais apoio institucional, mas por um lado sermos ouvidos e não como algo que fosse trazer como deveríamos agir. Às vezes entendemos que a UFU institucionalmente tem atitudes machistas, como um professor que é protegido ou não. O apoio poderia ser maléfico ou bem-vindo dependendo de como ele viria até nós.” aponta uma das coordenadoras do Coletivo, acerca do assunto.
Além disso, a coordenadora Camila complementa: “O principal apoio que precisamos é em sermos ouvidos e conseguirmos algumas mudanças dentro da universidade. Infelizmente, a maioria das universidades, se não todas, acabam tendo posições e posturas machistas, mesmo aderindo às políticas “feministas”. A própria UFU, até tem uma resolução de fevereiro de 2021, que fala sobre a questão de violência de gênero dentro da universidade, mas falta muita gente ver isso na prática.”
Os coletivos e a universidade
O desafio de visibilidade por parte dos coletivos, de ver as ações acontecendo na prática e do engajamento estudantil se unem com os desafios apontados pela pró-reitora Elaine, em conversa exclusiva para o site Coletivando-se. Segundo a pró-reitora, desde a pandemia, os coletivos organizados pelos estudantes passaram por um movimento de dispersão, tendo em vista os desafios das atividades remotas e a rotatividade dos graduandos. Sobre o assunto, Elaine comenta:
“Toda vez que a gente se aproxima das unidades estudantis, parece que queremos barrar o tempo todo. Há uma desconfiança de que vamos tentar barrar ou fiscalizar as entidades, e estamos tentando ultrapassar essa barreira, porque essa nunca foi a intenção. A intenção é que a gente consiga trabalhar juntos, o que conversamos com os coletivos é que a temática que eles querem trabalhar também é a temática que nós queremos trabalhar. Não sempre, mas algumas vezes temos recursos, então tendo recurso, ao invés de eles fazerem uma palestra da mesma temática que nós, vamos fazer juntos, fazer uma parceria, porque estamos somando nesse espaço. Essa ideia de que não estamos competindo ou sobrepondo, mas sempre somando com as ações das entidades estudantis.”
Um caso de sucesso de como a Reitoria e os coletivos podem trabalhar juntos, é a relação do Acolhidas com a própria PROAE, no enfrentamento da violência feminina no ambiente universitário. Quando uma mulher sofre violência no ambiente universitário, seja uma estudante, funcionária ou colaboradora, ela pode procurar a PROAE para acolhimento ou denúncia.
“Hoje temos parceria com o Acolhidas e com o Todas por Elas, para apoio jurídico das mulheres que denunciam. Quando acontece uma violência, temos o Nua Vidas, que é o núcleo da FAMED que fica dentro do HC, lá é outra tipologia de encaminhamento, junto com a professora Helena, em que todas as estudantes, servidor ou qualquer cidadã, recebe não só tratamento jurídico ou psicológica, mas também o tratamento médico. Lá, a mulher recebe encaminhamento para entender como e quando ela pode denunciar, onde fica a delegacia mais próxima (...)” comenta Elaine sobre a atuação dos coletivos e da Reitoria no combate à violência de gênero. “O que a gente tem percebido é que é muito difícil colocar os casos em grupos, tínhamos até uma inocência, por assim se dizer, de que casos de um jeito vamos tratar de certa forma, mas o que estamos percebendo é que cada caso é um caso e não conseguimos fazer um modelo específico, cada caso é individual. O que estamos fazendo é criar esses dois fluxos, como comentamos.” ela complementa.
Para maior compreensão sobre o assunto, acesse nosso podcast para ouvir a conversa com Elaine na íntegra:
Mulheres organizadas para a luta: Movimento Olga Benário
Como dito pela pró-reitora, cada caso é um caso. Essa individualidade dos casos e do ser mulher, é uma das pautas defendidas pelo Movimento Olga Benário.
“ (...) para a gente lutar contra o patriarcado e lutarmos contra a opressão de gênero de todas as mulheres, precisamos acabar com todo tipo de opressão que existe, mulher é um ser plural. Existe mulher trabalhadora, mulher sem teto, sem terra. A mulher tomar partido de fato, defender uma nova sociedade, para termos melhores resultados” - aponta Mel, estudante de Física da UFU e participante do Olga.
Foto de acervo pessoal - Manifestação contra os cortes universitários em 22/12/2022
O movimento Olga Benário surgiu no início de 2022 em Uberlândia, e tem como principal objetivo organizar mulheres para que elas estejam na luta pelos direitos das mulheres e pelo socialismo, o movimento está espalhado por todo o Brasil, sendo o primeiro da América Latina a trabalhar com ocupações. A luta em Uberlândia começou com a questão dos assédios que estavam ocorrendo nas universidades no último ano, trabalhando também com atendimentos que ajudam mulheres psicologicamente nas casas de referências pelo Brasil, dando visibilidade para casos que não são ouvidos. Na UFU, a central de denúncias está sendo construída em conjunto com o Centro Acadêmico de Ciências Sociais, para que ela seja efetiva e alcance todas as mulheres, dando voz para todos os casos.
“Além disso, também realizamos medidas para expôr o que está acontecendo aqui dentro da universidade. Logo que aconteceu os casos de denúncias de assédio no ano passado, uma das ações que fizemos logo no início, o Olga ainda estava se formando, tinha acabado de chegar na cidade, procuramos fazer pelo menos alguma agitação. Fomos confeccionar cartazes, divulgando canais de denúncia e também falando da realidade de zero segurança que temos na universidade. O contraditório é que enquanto a gente estende o relato das meninas que sofrem assédios e que ficaram bem repercutidos, do cara que entrou no banheiro para fotografar elas, foi que elas procuraram os seguranças da UFU logo em seguida, mas que eles não fizeram nada à respeito, porque a segurança daqui não é para atender as alunas, e sim o patrimônio. Isso deixou bem claro quando estávamos colocando esses cartazes, que os guardas interferiram e fizeram a gente parar, porque estávamos depredando esse espaço divulgando canais de denúncia para mulheres.” relata a estudante de Física.
Como apontado pelas coordenadoras do Acolhidas e pelas participantes do Olga, os coletivos e movimentos surgem das necessidades estudantis. A luta contra a violência de gênero na universidade ainda tem um longo caminho para ser percorrido, tendo em vista a quantidade de casos apresentados nos últimos anos. Mariana, estudante de Ciências Sociais e participante dos Movimentos Correnteza e Olga comenta em relação à atuação dos coletivos:
“Sei que é uma preocupação recorrente das pessoas, de será que eu sei o suficiente para estar em um movimento; de não saber como funciona, mas quando você entra, junto com a ação, a gente articula também essa formação, você vai se formando e tendo acesso a materiais. Nós organizamos isso e oferecemos essa dupla ação, de se formar politicamente e de estar na luta, porque você não precisa ter uma coisa e depois a outra. Você não precisa saber uma quantidade suficiente para você poder ir para a ação e se manifestar, são coisas que você aprende no dia a dia, porque o próprio ato de se manifestar e se mobilizar, traz consciência política. Então se você tem essa revolta, se você está na universidade e vê que isso precisa mudar, e que ela também precisa ser defendida, vem conhecer os movimentos” .
Foto: Acervo pessoal - Manifestação contra os cortes universitários no dia 22/12/2022
A atual situação da violência contra a mulher na universidade
Se faz evidente, na presente reportagem, a necessidade da observação a respeito da periodicidade dos dados usados para descrição da realidade sobre a violência contra a mulher na universidade brasileira. A pesquisa mais recente apresentada foi realizada em 2015, com 1.823 universitários de diferentes instituições de ensino superior, pelo Instituto Avon. Além da pesquisa publicada a sete anos pelo Instituto, outras pesquisas mais recentes também ganharam destaque por tratar da mesma temática, contudo são trabalhos realizados em âmbito local ou regional.
Tal fato explicita a ausência de um órgão ou mecanismo responsável pela regularização de dados e medidas públicas relacionados a violência contra a mulher dentro da universidade brasileira. Pode-se dizer que um órgão de tal magnitude se faz necessário para o atual contexto de violência contra as mulheres universitárias, tal qual ógãos como o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos se faz necessário para atendar as necessidades e compreender o cenário de violência contra a mulher como um todo em âmbito nacional.
Nesse sentido, é válido também observar que as pesquisas realizadas em âmbito local são em sua maioria fruto de pesquisas e trabalhos de conclusão de curso, não levantamentos feitos por coletivos ou órgãos institucionais presentes dentro das universidades. Como é o caso da pesquisa “Invisibilidade e banalização da violência contra as mulheres na universidade: reconhecer para mudar” que trata sobre a violência contra a mulher na Universidade de São Paulo (USP) e foi realizada por Ana Flávia d’Oliveira pesquisadora da Faculdade de Medicina da USP.
Outras pesquisas como a “Violência contra as mulheres na universidade: uma análise nas intituições de ensino superior no Amazonas” coordenada pela professora Milena Barroso, ou a pesquisa “A questão da violência contra a mulher na Universidade Federal da Bahia” das pesquisadoras Luanna Calasans de Souza Santana e Iole Macêdo Vanin, mostram como existe uma preocupação dos membros da universidade com relação aos casos de violência contra a mulher dentro da universidade em que convivem. O levante de tais discussões se verifica válido e essencial nas presentes circunstâncias, entretanto a descentralização de tais movimentos pode se mostrar como um aspecto negativo ao individualizar lutas que podem se tornar mais fortes quando unificadas.
Isso pois, existe uma semelhança inegável entre os dados de todas as pesquisas aqui citadas que é o alto número de casos de violência e assédio contra as mulheres dentro da universidade, sejam eles casos de assédio moral e sexual por parte de professores como citados na pesquisa de Luanna Calasans de Souza Santana e Iole Macêdo Vanin, ou casos de estupro e discriminação social, racismo, xenofobia, homofobia, lesbofobia e transfobia praticados por diferentes membros das sociedades acadêmicas como apresentado pela pesquisa da professora Milena Barroso.
Os números apresentados em todas essas pesquisas, além dos relatos e entrevistas trazidos ao longo desta reportagem são por si individualmente alarmantes sobre o atual cenário, contudo quando observados em conjunto são um grande e assustador mosaico sobre a violência contra a mulher dentro da universidade.
Assim como os dados e relatos levantados por pesquisadores, estudantes e coletivos das universidades são importantes para entender e agir sobre a realidade da violência contra a mulher na universidade individualmente, o levantamento de dados recentes sobre a violência contra a mulher no ambiente acadêmico em âmbito nacional se faz presente para que novos e eficientes planos de ação se tornem possíveis, seja por meio de coletivos dentro de cada universidade ou de órgão nacionais.
A importância dos coletivos no combate a violência feminina universitária
Tendo em vista o atual cenário da violência contra a mulher na universidade pública, se faz pungente a importância de coletivos e iniciativas como o Olga Benário, apresentado no decorrer desta reportagem. Tais movimentos lutam não só contra a violência na universidade pública, mas também a favor dos direitos das mulheres dentro do ambiente acadêmico, como por exemplo pelo direito de mães universitárias ao acesso de berçários dentro da universidade.
Além do Olga Benário, o coletivo Acolhidas se faz essencial no contexto de atendimento e auxílio a mulheres que sofreram algum tipo de violência dentro da Universidade Federal de Uberlândia, contudo a atuação do coletivo vai muito além disso, a equipe já promoveu treinamentos e atos para conscientização contra a violência feminina em ambiente universitários ou frequentados por universitários.
Em um ambiente acadêmico a atuação de coletivos e projetos que visam o apoio a vítimas de violência feminina e a conscientização dos estudantes sobre tal assunto, mostram não só como a própria comunidade acadêmica está engajada com o assunto e com formas de solucionar o problema. Além disso, o fato de que tais coletivos são formados por estudantes torna mais fácil a aproximação e o entendimento da temática, pois é a realidade na qual eles vivem.
Outras possíveis soluções e ações
O trabalho realizado pelos coletivos e projetos universitários para a solução da violência contra a mulher dentro da universidade se faz essencial e eficiente no cotidiano das universitárias. Contudo outras iniciativas também podem ser levantadas como possibilidades de combate a violência contra a mulher nos meios acadêmicos, tais como congressos,
De acordo com a plataforma Quero Bolsa, na Universidade de São Paulo, as estudantes Iara Marinho, Beatriz Calderon, Danielly Oliveira e Letícia Chagas, representantes do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da sua universidade contaram que o tema da violência contra a mulher na universidade passou a ser uma das principais pautas da sua gestão e como iniciativa a universidade conta com um projeto chamado USP Mulheres, um site integrado a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, funcionando como um ambiente de denúncia e rede apoio para discussão de questões de gênero.
Contudo, como explicam as representantes do DCE, apesar da importância da iniciativa ele ainda atua muito mais na parte teórica e burocrática do projeto do que ativamente no cotidiano das universitárias. Outras iniciativas que atuam no campo burocrático dentro das universidades também se fazem relevantes, como é o caso das mesas redondas e assembléias organizadas para a discussão de possíveis iniciativas no combate a violência feminina na universidade, como é o caso da iniciativa “Não se cale!” promovida pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Além disso, é comum que muitos projetos, iniciativas e discussões sejam trazidos à tona sobre a temática no mês de agosto, tendo em vista aproveitar o mês do agosto lilás para a conscientização pelo fim da violência contra a mulher.
Assim, a presente reportagem busca mostrar o atual cenário da violência contra mulher na universidade, seus recortes de acordo com os tipos de violência, a forma como diferentes universidades lidam com o problema e as iniciativas desenvolvidas para colocar um fim a um problema que vem assolando mulheres há centenas de anos.
Como pedir apoio? Se você é uma mulher que sofreu ou está sofrendo violência de gênero, saiba que você não está sozinha. Entre em contato: Coletivo Acolhidas:
Movimento Olga Benário:
Whatsapp: (34) 9 9959-2122
PROAE UFU: